Agora é para valer: o magnata que
se tornou celebridade depois estrelar um reality show disputará a Presidência
dos Estados Unidos pelo Partido Republicano. Populista e xenófobo, Donald Trump
é o perigoso retrato de um mundo cada vez mais intolerante
CONSAGRADO Donald
Trump recebeu votação recorde nas primárias (Crédito: Lucas Jackson/REUTERS)
“Nosso plano é colocar a América em primeiro”, disse
o candidato no encerramento da convenção, na quinta-feira 21. “Americanismo, e
não globalismo, será nosso lema”. Nestes tempos sombrios, o populismo que Trump
encarna pode ser visto como o retrato acabado do mundo atual, cada vez mais
intolerante com aquele que é diferente. A crise de sensatez que se instalou com
o “Brexit” e a ascensão de Theresa May, a primeira-ministra britânica que
detesta os imigrantes, se torna ainda mais assustadora quando se reflete na
maior potência global, com enorme campo de influência, e parece longe do fim.
na convenção em Cleveland, Ohio (Crédito:AP Photo/Carolyn Kaster)
“As forças que levaram Trump ao sucesso na política americana
claramente têm algo em comum com as forças populistas de direita que avançam na
Europa”, afirma Philip Wallach, analista de política do Instituto Brookings, de
Washington. “O nacionalismo está voltando de uma maneira que as elites nunca
esperaram.” Com Trump na Casa Branca, o mundo provavelmente se tornará um lugar
pior. Nas primárias, Trump obteve votação recorde na história da sigla: 13,3
milhões de votos.
O desempenho tem duas explicações para Matthew
Kroenig, professor da Universidade Georgetown e ex-conselheiro das campanhas de
Marco Rubio nas primárias deste ano e de Mitt Romney nas eleições de 2012. “Em
primeiro lugar, a elite do partido nunca consolidou apoio em torno de um único
candidato”, disse à ISTOÉ. “Há um consenso entre os republicanos de Washington
e Nova York que Rubio ou Jeb Bush deveriam ser os indicados, mas eles nunca se
decidiram.” Assim, ao longo de três meses, os votos se pulverizaram entre
tantos pré-candidatos, deixando o caminho livre para Trump, que domina a arte
da comunicação, adora as redes sociais e, como ex-astro de reality show, é exímio
em criar polêmica e propaganda gratuita.
O outro ponto é que a mensagem de Trump ressoa em
muitos americanos que estão infelizes com os rumos do país, sobretudo em temas
como imigração e política comercial, que afetam diretamente seus empregos e
rendimentos. É para essa parcela significativa da população que o empresário
diz bravatas como a de que, se eleito presidente, convidará a China para a mesa
de negociações declarando-a uma “manipuladora de moeda” e colocando fim aos
“subsídios ilegais” que o gigante asiático daria às suas exportações.
“Chega de fábricas com trabalho escravo e paraísos
da poluição roubando empregos de americanos”, diz a proposta publicada em seu
site oficial. “Trump explora um reservatório de raiva pública que a maioria dos
candidatos republicanos não percebeu que existia”, afirma Wallach. “O aparato
republicano falhou em coordenar uma resposta efetiva, em parte porque eles
desprezavam o maior rival de Trump, Ted Cruz, e essa inação permitiu que Trump
tomasse conta do partido.”
REJEIÇÃO
Para chegar à Casa Branca, o principal obstáculo que
o empresário terá que superar será sua enorme impopularidade, que começa dentro
do próprio Partido Republicano. A convenção da semana passada ficou marcada
pela ausência de figuras tradicionais, como a família Bush e o senador e
ex-presidenciável John McCain, cujo status de “herói de guerra” foi questionado
por Trump durante a campanha. “Ele só virou um herói, porque foi capturado”,
disse o candidato sobre o ex-piloto que foi sequestrado e torturado durante a
Guerra do Vietnã, nos anos 60. “Eu gosto de pessoas que não são capturadas.”
Ainda na convenção, Ted Cruz deixou o palco vaiado
após pedir que os correligionários votassem “com consciência”, negando-se,
assim, a declarar apoio formal a Trump. “Embora Donald Trump explore a
ansiedade nos EUA, ele não reflete os princípios republicanos e espero que não
reflita seu futuro”, escreveu Jeb Bush, em artigo publicado no jornal americano
The Washington Post. Filho e irmão de ex-presidentes, Jeb entrou na corrida
presidencial republicana deste ano como favorito e levantou US$ 130 milhões em
financiamento, mas deixou a disputa depois de sofrer derrotas acachapantes nos
três primeiros Estados onde ocorreram as primárias.
MINORIAS
Entre as mulheres, as pesquisas mostram que a
rejeição de Trump supera os 70%. Ainda que, desde a década de 80, as eleitoras
americanas venham expressando preferência pelo Partido Democrata, a escolha do
magnata como candidato republicano pode levar a distância de votos entre
gêneros a ser a maior em 60 anos. Isso porque Trump, organizador de concursos
de miss desde os anos 90, nem durante a corrida presidencial se furtou a fazer
comentários machistas.
“Não sei se ele entende como ofendeu profundamente
as mulheres, inclusive as republicanas”, afirma Virginia Sapiro, professora de
Ciência Política da Universidade de Boston. “Quando tenta atrair essa fatia do
eleitorado, Trump faz comentários sobre os corpos delas ou diz o quanto ama sua
mulher.” Recentemente, o republicano sugeriu que uma jornalista estava
menstruada durante um debate da rede de tevê Fox News e afirmou que Hillary
“facilitou” os casos extraconjugais do marido, o ex-presidente Bill Clinton.
Anos atrás, Trump disse que namoraria sua filha Ivanka se não fosse o pai dela.
“A distância entre os votos masculinos e femininos
nessa eleição também pode ser exacerbada porque Hillary vai tentar mobilizar as
mulheres para ter a maior votação feminina da história e Trump vai engajar mais
os homens brancos”, disse à ISTOÉ Jennifer Lawless, professora do Departamento
de Governo da Universidade Americana de Washington e co-autora do livro “Women
on the Run: Gender, Media, and Political Campaigns in a Polarized Era”
(“Mulheres na disputa: gênero, mídia e campanhas políticas numa era
polarizada”, numa tradução livre para o português).
Segundo ela, o significado de uma vitória de Trump para os
direitos das mulheres é incerto. “Em alguns pontos, ele se mostrou mais
favorável que outros republicanos a políticas importantes para nós, como os
programas de assistência social”, afirma. “Sobre o direito ao aborto, ele já
disse que a escolha era da mulher e depois que isso ia contra tudo o que ele
acreditava.” Para a sorte de Trump, as eleitoras, sobretudo as mais jovens,
tampouco gostam de Hillary, que almeja ser a primeira mulher a presidir os EUA.
A ela, faltam carisma, calor, identificação com
mulheres comuns. E ainda pesa uma personalidade belicista e autoritária. Para
dificultar a escalada de Trump rumo ao topo do mundo, há também os latinos e os
negros, que representam parcela cada vez mais significativa da população
americana e, principalmente, dos Estados do Sul, onde os republicanos
tradicionalmente ganham as eleições. “Pelo que vimos na convenção em Cleveland,
provavelmente a única coisa que une os republicanos no momento é o ódio a Hillary”,
diz Virginia Sapiro, da Universidade de Boston. “E essa não é a base mais forte
para ganhar uma eleição.”
Na disputa de 2012, em que Barack Obama concorreu
pela reeleição contra o empresário Mitt Romney, ambos os candidatos brigaram
pelo voto latino, num sinal de que as minorias ganhavam mais influência. Os
descendentes de hispânicos representavam, afinal, o grupo de americanos que
mais crescia no país, numa taxa quatro vezes acima do restante da população.
Assim, os democratas colocaram um prefeito neto de mexicanos para abrir sua
convenção e, no evento republicano, o filho do candidato, Craig Romney,
discursou em espanhol fluente. A mensagem era de inclusão.
Naquele pleito, a supremacia de Obama entre as minorias foi
determinante para o desequilíbrio a seu favor nos Estados indecisos. Essa
parecia ser uma tendência irreversível para os políticos americanos. A
demografia mostra que as minorias, como um todo, cresceram 30% no país na
última década, enquanto o número de brancos avançou apenas 1%. Os dados são do
censo de 2010, o último disponível. Na tentativa de reverter a vantagem dos
democratas, os republicanos apresentaram, neste ano, dois pré-candidatos com
origens hispânicas (Marco Rubio e Ted Cruz), uma mulher (Carly Fiorina) e um
negro (Ben Carson), mas, contrariando o senso comum, a nomeação ficou novamente
com um homem branco, perfil onde a legenda já tem vantagem.
Trump foi além do estereótipo e chamou os latinos de
“narcotraficantes”, “criminosos” e “estupradores”. Mais: propôs a construção de
um muro na fronteira com o México, obrigando, claro, o governo do país vizinho
a pagar por ele (sua equipe avaliou o custo entre US$ 5 bilhões e US$ 10
bilhões), sem se preocupar em como isso poderia ferir as relações com o México
e outros países latinos. Tudo isso para conter o fluxo de imigrantes ilegais
que tirariam empregos de americanos por aceitar receber menos.
Atualmente existem cerca de 11 milhões de imigrantes vivendo sem
documentos nos EUA. Sob Trump, no entanto, o Partido Republicano não parece se
importar em como eles se inserem na sociedade nem como contribuem para a
economia americana. Na convenção da semana passada, tiveram voz no palco
cidadãos que viram seus filhos serem mortos por imigrantes (um foi assassinado
e o outro morreu atropelado por um motorista bêbado). Os discursos ajudaram a
construir um cenário de que os EUA estão numa situação caótica, divididos e sem
controle, a que se somam o estado de tensão racial, que tem resultado na morte
de policiais e homens negros em diversas cidades do país, e o recente tiroteio
numa boate gay de Orlando, na Flórida.
“O maior problema aqui é que o poder americano no mundo está
diminuindo”, disse Trump, em entrevista à rede de tevê CNN. “Eu realmente
acredito que a história nos ensina que a fraqueza desperta o mal.” Para
Virginia Sapiro, o problema maior dessa narrativa está na opinião pública.
“Sempre tivemos e sempre teremos populistas como Trump e Marine Le Pen (líder
da extrema-direita na França)”, afirma. “A questão é que as populações de
países democráticos estão os apoiando numa visão de mundo isolacionista, na
expectativa de que eles tragam os bons velhos tempos de volta.”
INCÓGNITA
Como faz com o direito ao aborto, Trump adota
posturas erráticas em vários temas – e, por isso, depois de quase um ano de
campanha presidencial, os eleitores e analistas sabem pouco sobre que tipo de
presidente ele seria. Não é que não o conheçam. Sua personalidade narcisista,
agressiva, materialista e extremamente autoconfiante, e seu humor ácido e, não
raro, preconceituoso e racista são evidentes desde os tempos em que o
empresário se divertia ao demitir pessoas no reality show “O Aprendiz” e
escrevia livros de autoajuda. Trump, contudo, é um homem sem ideologia, que
confia em poucas pessoas e diz que vai acabar com o Estado Islâmico sem dizer
exatamente como.
Para conter o extremismo doméstico, Trump quer
proibir a entrada de muçulmanos no país. Falta clareza às suas propostas, mas
sobra consistência nas críticas a aliados tradicionais dos americanos, como a
Otan (aliança militar ocidental), o Japão e a Coreia do Sul, na direção oposta
a um mundo mais globalizado e conectado. No período como pré-candidato à
Presidência, o empresário mostrou pouco interesse nos detalhes que envolvem a
administração pública. Uma reportagem da revista do New York Times chegou a
dizer que, na prática, Trump passaria os poderes administrativos ao
vice-presidente.
Segundo o depoimento de um assessor de John Kasich, governador
de Ohio que disputou as primárias, o filho mais velho de Trump, Donald Jr. o
sondou para o cargo dizendo que o vice seria responsável pela política
doméstica e externa. “E Trump seria responsável pelo quê?”, perguntou o
assessor. “Em fazer a América grande de novo” teria sido a resposta. Quem
aceitou o desafio foi Mike Pence, governador de Indiana, um conservador cristão
tão duro quanto o companheiro de chapa na questão dos imigrantes ilegais e do
acolhimento de refugiados sírios – eles foram barrados no Estado de Indiana.
“Na seleção de Pence como seu vice, ficou claro que
Trump procurava alguém com experiência legislativa e executiva para aumentar
seu apelo”, afirma Lindsay Newman, analista da consultoria de risco IHS Global
Insight. Para Wallach, do Instituto Brookings, “Pence pode se tornar o diretor
de operações mais importante do mundo enquanto Trump ocuparia o papel público
de um presidente-executivo extravagante.” Durante as primárias americanas, é
comum que os pré-candidatos se apresentem de maneira mais extrema para
conquistar a base dos partidos e espaço na cobertura midiática.
Há um ano, imaginava-se que Trump seria mais um
desses radicais que aparecem nos EUA de quatro em quatro anos fazendo barulho,
ganham seus cinco minutos de fama (no caso do empresário, ele já tinha muito
mais que isso) e depois são esquecidos para abrir caminho a uma figura mais
moderada que seja capaz de obter os votos dos indecisos e independentes. Quando
viram que isso não aconteceria, os analistas começaram a se questionar como o
magnata se apresentaria ao público em geral para ganhar sua confiança. Desde
que Trump se tornou o único candidato republicano na corrida presidencial, há
dois meses e meio, espera-se que ele suavize o tom e deixe no passado recente a
postura de valentão (ou “bully”, na expressão em inglês), que usou contra seus
concorrentes. Mas, por enquanto, esse dia não chegou.
O fiasco de Melania
A grande surpresa na convenção republicana da semana passada não
foi exatamente a entrada de Donald Trump no palco ao som de “We are the champions”,
quebrando a tradição de aparecer apenas no último dia. O que causou polêmica
entre os americanos foram os trechos do discurso da mulher do republicano, a
ex-modelo eslovena, Melania Trump, semelhantes à fala da atual primeira-dama
dos EUA, Michelle Obama, na convenção dos democratas de 2008. Era para ter sido
o maior discurso de Melania, mas sua fala não passou de uma embaraçosa
repetição de palavras, frases e raciocínios utilizados por Michelle.
“Desde pequena, meus pais me passaram valores. Você
tem que trabalhar duro pelo que quer na vida. O trabalho é o seu vínculo, você
faz o que diz e mantém sua promessa. Que você trata as pessoas com respeito”,
disse Melania. Há oito anos, porém, Michelle já empregava palavras parecidas.
“Você trabalha duro pelo que quer na vida, sua palavra é o seu compromisso e
você faz o que diz e o que vai fazer, e trata as pessoas com dignidade e
respeito.” O fiasco foi transmitido para 23 milhões de espectadores e a
ridicularização foi instantânea. Especialistas afirmam que o plágio poderia ter
sido facilmente evitado. Melania poderia ter contado sua história pessoal, mas
escolheu ser lembrada como a mulher de um republicano que copiou o
pronunciamento da primeira-dama democrata.
Colaboraram: Fabíola Perez e Ludmilla Amaral
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